quarta-feira, abril 09, 2008

Náufrago...

A propósito de um sonho... náufrago nesta madrugada...

Foto in http://www.photografos.com.br

Mar, mar e mar


Tu perguntas, e eu não sei,

eu também não sei o que é o mar.


É talvez uma lágrima caída dos meus olhos

ao reler uma carta, quando é de noite.

Os teus dentes, talvez os teus dentes,

miúdos, brancos dentes, sejam o mar,

um mar pequeno e frágil,

afável, diáfano,

no entanto sem música.


É evidente que a minha mãe me chama

quando uma onda e outra onda e outra

desfaz o seu corpo contra o meu corpo.

Então o mar é carícia,

luz molhada onde desperta

meu coração recente.


Às vezes o mar é uma figura branca

cintilando entre os rochedos.

Não sei se fita a água

ou se procura

um beijo entre conchas transparentes.


Não, o mar não é nardo nem açucena.

É um adolescente morto

de lábios abertos aos lábios da espuma.

É sangue,

sangue onde a luz se esconde

para amar outra luz sobre as areias.


Um pedaço de lua insiste,

insiste e sobe lenta arrastando a noite.

Os cabelos da minha mãe desprendem-se,

espalham-se na água,

alisados por uma brisa

que nasce exactamente no meu coração.

O mar volta a ser pequeno e meu,

anémona perfeita, abrindo nos meus dedos.


Eu também não sei o que é o mar.

Aguardo a madrugada, impaciente,

os pés descalços na areia.




In “As Palavras Interditas”

Eugénio de Andrade


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